Ajuste Fiscal: Cortar Direitos ou Reformar o Estado?

Ajuste fiscal em 2027: desvincular gastos de saúde e educação é solução ou ameaça?

Durante entrevista ao programa Agenda Econômica da TV Senado, o diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Marcus Vinícius Pestana, fez uma advertência contundente: “A partir de 2027, o novo presidente terá um encontro inadiável com um profundo ajuste fiscal, com uma reforma do orçamento público. Não dá para continuar. O ritmo e o rumo são insustentáveis.”

Segundo a IFI, as contas públicas devem fechar 2025 zeradas, sem déficit, mas 2026 já antecipa um cenário mais difícil. O recado é claro: o Estado brasileiro precisa encontrar formas de reorganizar sua estrutura fiscal. Entre as possíveis medidas — raramente debatida de forma transparente — está a desvinculação dos gastos mínimos obrigatórios com saúde e educação: hoje fixados, respectivamente, em 15% da receita corrente líquida da União e 25% da receita de estados e municípios com impostos.

Mas será que essa seria uma saída viável para a sustentabilidade fiscal? E a que custo?

O que significa a desvinculação de gastos mínimos?

A Constituição brasileira impõe que União, estados e municípios apliquem um percentual mínimo de suas receitas em saúde e educação. Essa vinculação visa garantir que essas áreas essenciais não sejam negligenciadas por contingências políticas ou fiscais. No entanto, esse modelo engessa o orçamento e limita a capacidade do governo de remanejar recursos de acordo com mudanças conjunturais.

A proposta de desvinculação orçamentária significa retirar ou flexibilizar essas amarras constitucionais, permitindo que os gestores públicos tenham maior liberdade para decidir quanto e onde investir.

Prós: mais flexibilidade e eficiência na gestão

  1. Maior autonomia orçamentária – A desvinculação daria ao Executivo e ao Legislativo mais poder para priorizar áreas de acordo com necessidades conjunturais, como segurança pública, inovação, infraestrutura ou emergência climática.
  2. Possível aumento da eficiência – Não haveria obrigação de gastar 25% em educação, por exemplo, se a rede escolar estiver bem estruturada em determinado município. Isso evitaria gastos ineficientes apenas para cumprir índices.
  3. Redução de pressões fiscais – Com o orçamento menos engessado, o governo poderia realocar recursos de forma mais dinâmica, reduzindo a necessidade de endividamento ou aumento de carga tributária.

Contras: risco de desmonte de políticas sociais essenciais

  1. Impacto direto sobre os serviços públicos – Em um país com profundas desigualdades regionais e sociais, saúde e educação ainda enfrentam déficits crônicos de investimento. A desvinculação pode levar à redução de recursos em áreas já carentes, principalmente nos municípios mais pobres.
  2. Fragilização de direitos constitucionais – A Constituição de 1988 transformou saúde e educação em direitos fundamentais, não em despesas discricionárias. A desvinculação pode violar esse espírito, abrindo caminho para cortes indiscriminados.
  3. Risco de uso político do orçamento – Com mais liberdade orçamentária, aumenta também o risco de uso eleitoral de recursos públicos, comprometendo o planejamento de longo prazo em setores estratégicos.

Desvinculação: solução técnica ou mudança de paradigma?

Mais do que uma medida de ajuste fiscal, a desvinculação de gastos obrigatórios representa uma mudança radical no modelo de gestão pública no Brasil. Rompe-se com a lógica do Estado garantidor de direitos universais para adotar uma visão mais gerencial, baseada em metas, resultados e alocação flexível de recursos.

O debate, no entanto, exige cautela. Um modelo de orçamento mais “livre” precisa estar amparado por mecanismos rigorosos de controle, avaliação de impacto e participação social. Caso contrário, corre-se o risco de transformar um desafio fiscal em uma crise social silenciosa.

Além disso, é fundamental discutir como tornar o gasto em saúde e educação mais eficiente, sem necessariamente reduzir seu volume. A modernização da gestão pública não deve ser confundida com seu enfraquecimento.A fala do diretor da IFI sinaliza um caminho difícil, mas inevitável: o Brasil terá que repensar a forma como istra seu orçamento. A desvinculação de gastos mínimos em saúde e educação é uma alternativa colocada sobre a mesa — controversa, mas tecnicamente possível.

O desafio está em equilibrar responsabilidade fiscal com justiça social. O Brasil não pode continuar refém de regras engessadas, mas também não pode permitir que sua população mais vulnerável seja penalizada por ajustes que priorizam a estabilidade contábil em detrimento dos direitos básicos.

A pergunta que se impõe é: qual Estado queremos construir a partir de 2027? Um Estado austero, mas cego às desigualdades, ou um Estado eficiente e justo, que equilibre contas sem sacrificar conquistas sociais?

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