Mais punição, menos solução e a ineficiência do Estado

Crítica ao Projeto de Lei 4335/24 de Aluisio Mendes: A ineficiência do Estado e os limites da repressão penal

O Projeto de Lei 4335/24, de autoria do deputado Aluisio Mendes (Republicanos-MA), propõe a criação do crime de “ordem ilegal em área dominada por facção criminosa” no Código Penal brasileiro. 

A justificativa do parlamentar é que a legislação atual é insuficiente para proteger cidadãos que vivem sob domínio de facções, especialmente em comunidades vulneráveis.

No entanto, a análise crítica da proposta revela que ela ignora aspectos estruturais da segurança pública e reforça a ineficiência do Estado em retomar o controle desses territórios.

A realidade do domínio das facções e a fragilidade do Estado

Atualmente, cerca de 23 milhões de brasileiros vivem em áreas controladas por 72 facções e milícias, que atuam como verdadeiros Estados paralelos. 

Esses grupos impõem regras próprias, realizam “tribunais do crime”, praticam execuções e mantêm cemitérios clandestinos.

O poder das facções se consolidou devido à omissão histórica do Estado, à falta de coordenação entre as forças de segurança e à ausência de políticas públicas eficazes para as periferias.

Segundo especialistas, a ineficiência estatal se manifesta tanto na negação do problema quanto na incapacidade de oferecer respostas integradas.

A fragmentação das polícias, a corrupção sistêmica e a superlotação prisional criaram um ambiente fértil para o fortalecimento das facções, que hoje controlam rotas de tráfico, extorsão e até serviços públicos em algumas regiões.

Limites da criminalização isolada

O projeto de Aluisio Mendes parte do pressuposto de que aumentar penas e criar novos tipos penais é suficiente para dissuadir a atuação das facções.

No entanto, estudos e análises técnicas demonstram que iniciativas legislativas com foco exclusivo na repressão penal têm impacto limitado na redução da violência e no enfraquecimento do crime organizado. 

A experiência brasileira mostra que o encarceramento em massa, sem políticas de ressocialização e sem controle efetivo do sistema prisional, apenas alimenta o ciclo de recrutamento das facções.

Além disso, a proposta não apresenta mecanismos práticos para garantir a aplicação da lei nas áreas dominadas. Como o Estado pretende prender infratores onde sequer consegue garantir a presença regular de suas forças de segurança?

Em territórios onde a polícia só entra em operações pontuais, frequentemente violentas e ineficazes, a mera tipificação de um novo crime tende a ser letra morta.

Desafios para a efetividade da Lei

A aplicação do projeto enfrenta obstáculos concretos:

  • Ausência do Estado: Em áreas sob domínio de facções, moradores têm medo de denunciar e colaborar com investigações, pois confiam mais nas “leis” impostas pelos criminosos do que na proteção estatal.
  • Superlotação e controle prisional: O sistema penitenciário brasileiro, já superlotado e dominado por facções, não tem capacidade para absorver novos presos sem ampliar ainda mais o poder das organizações criminosas dentro das prisões.
  • Falta de inteligência e investigação: O projeto não traz medidas para aprimorar a investigação, a inteligência policial e a proteção de testemunhas, elementos fundamentais para romper o ciclo de impunidade.
  • Risco de erros judiciais: Em contextos de repressão, há aumento do risco de prisões arbitrárias e erros judiciais, especialmente contra populações vulneráveis, sem atacar as lideranças e estruturas das facções.

O que realmente funciona?

Especialistas e organizações da sociedade civil defendem que o combate ao crime organizado exige:

  • Investimento em inteligência, investigação e tecnologia para desarticular lideranças e fluxos financeiros das facções.
  • Reformas estruturais no sistema prisional, com segregação adequada e combate à corrupção interna.
  • Políticas públicas de inclusão social, educação e geração de renda nas áreas dominadas, reduzindo o poder de atração das facções sobre jovens e moradores vulneráveis.
  • Coordenação nacional e integração entre as diferentes forças de segurança e órgãos do Estado, superando a fragmentação atual.

O Projeto de Lei 4335/24 é uma resposta simbólica a um problema real, mas falha ao atacar apenas a superfície do fenômeno. Sem a retomada efetiva do controle estatal sobre os territórios, sem reformas profundas no sistema de segurança e justiça, e sem políticas sociais de longo prazo, a mera criação de novos crimes tende a ser inócua. O Estado brasileiro precisa ir além do punitivismo e investir em soluções estruturais para recuperar sua autoridade e proteger, de fato, os cidadãos reféns do crime organizado.

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